quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Governo não vai recuar no programa nacional de barragens







Energia
Governo não vai recuar no programa nacional de barragens

Bruxelas aponta críticas na avaliação do impacto dos projectos

"Este país não pode viver sem barragens e ninguém nos pode impedir de as construir", afirmou ontem o presidente do Instituto Nacional da Água (Inag), Orlando Borges, em declarações ao PÚBLICO, depois de ser conhecido que um relatório encomendado pela Comissão Europeia arrasa a decisão do Estado português quanto ao que é considerado um dos projectos mais emblemáticos da governação de José Sócrates.


O documento aponta às autoridades portuguesas várias falhas na avaliação dos impactos do programa de construção de 10 novas barragens e admite que o país não venha a cumprir a directiva europeia da água, no que respeita às metas de qualidade da água até 2015.


O Governo, através do Ministério do Ambiente, do Inag e da Direcção-Geral de Energia, desdramatiza os argumentos apresentados no estudo elaborado por uma entidade externa à Comissão Europeia, por considerar fazer parte de um processo ainda não fechado, em fase de troca de informações com Bruxelas e por não ver efeitos vinculativos no imediato. Orlando Borges defende ainda que "o país não vai incumprir nenhum normativo" comunitário, seja directiva ou regulamento.


O documento elaborado por consultores externos integra-se num modelo de fiscalização reforçada e anunciada por Bruxelas ao Plano Nacional de Barragens, face às queixas dos ambientalistas, enunciando sete questões críticas no projecto e que estão na base do pedido de esclarecimentos a Lisboa. O Governo é acusado de não ter tido em conta os efeitos acumulados das novas barragens sobre o ambiente, quer quanto à qualidade da água - destacando o caso do Douro, onde a construção de cinco barragens vai "deteriorar significativamente" a qualidade da água na região -, à preservação das zonas da rede Natura 2000 e dos ecossistemas aquáticos. Também é criticado por não ter apresentado alternativas que permitissem uma mais clara relação entre os custos e benefícios do projecto, pelo que face aos dados disponíveis os autores do relatório consideram que "não se compreende esta decisão" do Estado português.


Também em causa está o equilíbrio entre a produção de energia e a necessidade de manutenção de caudais mínimos dos rios, o que vai obrigar a uma produção de electricidade entre 20 e 35 por cento inferior à prevista, segundo os cálculos do relatório. Diz também que Portugal não fez contas ao impacto das alterações climáticas, que vão reduzir a disponibilidade de recursos hídricos e a capacidade de produção eléctrica. Argumenta ainda que poucas barragens terão viabilidade económica. O pedido de esclarecimentos chegou em Junho e a resposta oficial deverá seguir dentro de uma a duas semanas. Na resposta em preparação, o presidente do Inag cita que foram critérios ambientais que ditaram a escolha dos 10 locais em questão entre uma lista inicial de 25. Diz também que há erros no relatório quando afirma que o Governo não avançou para o reforço de potência das barragens existentes, o que está a acontecer.


Regulador admite impacto negativo
O presidente do Inag, entidade reguladora do sector da água, Orlando Borges, dá razão a, pelo menos, um ponto no relatório elaborado para a Comissão Europeia sobre o programa nacional de barragens e que tem a ver com o impacto negativo dos 10 novos empreendimentos sobre a qualidade da água dos rios. "Se vai degradar a qualidade da água? Nunca negámos os impactos ambientais, na água também, mas há várias componentes a ter em conta", responde o regulador ao PÚBLICO, face à previsão, enunciada no documento, de que o país não vai conseguir cumprir as metas da directiva da água e que não teve esse factor em conta na avaliação dos custos e benefícios do projecto.
O responsável esclarece que em causa estará a "qualidade biológica" da água dos rios "e não a qualidade do ponto de vista químico", garantindo que "as soluções estão pensadas" e que os locais escolhidos "eram os que apresentavam o menor impacto ambiental". Segundo os contratos assinados com os concessionários, estes serão responsáveis pelas medidas de mitigação dos problemas que vierem a verificar-se.
Os estudos de impacto ambiental pedidos aos promotores das novas barragens, já entregues ao Governo, devem pronunciar-se especialmente sobre esta questão, sendo que o modelo de concessão em vigor prevê que o Estado reduza o preço da concessão ou devolva parte dos mais de mil milhões de euros já recebidos, caso o impacte ambiental de cada projecto obrigue a uma redução da cota ou impeça mesmo a sua construção.


Do outro lado da balança desta decisão - que deveria ser suspensa, na opinião dos ambientalistas - estão os objectivos considerados estratégicos para o país: redução da dependência energética do país, aposta em energias renováveis, valorização da energia eólica e criação de riqueza e emprego.

Lurdes Ferreira, in Peso & Medida - 12 de Novembro de 2009

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