terça-feira, 2 de junho de 2009

RIOS DA NOSSA VIDA: TÂMEGA VERSUS BARRAGENS

RIOS DA NOSSA VIDA: TÂMEGA VERSUS BARRAGENS (SEM VÍRGULAS)

Ao que se julga tudo começou no mar. No início tudo era água e do seu seio emergiu vida. E de tal modo que em cada 100kgs de massa humana pelo menos 60 são peso de água. A partir de então tudo se foi processando a um ritmo para lá do humano paulatina e sabiamente ao longo de milhões e milhões de anos até que chegámos à Mesopotâmia estávamos no VI milénio a.c.

Numa faixa de terra entre os rios Tigre e o Eufrates (é também este o significado da palavra “Mesopotâmia” Entre-os-Rios), lembraram-se um belo dia de armazenar para anos de menos fartura agrícola o excedente da produção. Assim quando as colheitas fossem menos boas haveria para trocar ou melhor “vender”.

Estava dado o primeiro passo para o surgimento da moderna economia tal como a conhecemos hoje. Certamente menos sofisticada infinitamente mais transparente e justa que a dos nossos dias mas nos princípios fundamentais era a mesma.Com o decorrer dos tempos a troca directa de produtos deu lugar à moeda. Estava inventado o dinheiro…

Nasceram e morreram civilizações e os rios lá continuaram na sua tarefa paciente de moldar…. Terras pedras e gentes.

Há estudos a provarem que muitos homens e mulheres que em alguma altura das suas vidas tiveram um rio por perto são mais propensos a grandes coisas ou coisas grandes. Amarante por exemplo uma pequenina aldeia-cidade: Teixeira de Pascoaes Amadeo de Souza-Cardoso António Carneiro Acácio Lino António Cândido o próprio S. Gonçalo Agostina Bessa-Luís Alexandre Pinheiro Torres Eduardo Pinto Ricardo Carvalho Nuno Gomes António Pinto vários campeões mundiais na área da canoagem Ana Moura e perdoem-me os de quem não me consegui recordar. Todas estas personalidades… será ao Tâmega e aos seus nevoeiros que ficaram a dever parte do seu sucesso? Talvez sim talvez não…

Viver junto aos rios nem sempre foi seguro já que por lá abundavam os animais ferozes e outros perigos que espreitavam por detrás dos densos arvoredos. Por isso muitos foram os povos que em tempos recuados preferiram habitar os pontos mais altos das regiões numa clara atitude de auto-defesa.

Mas os rios cujas águas corriam lá em baixo ao longe não paravam de acicatar a curiosidade dos nossos antepassados: fosse porque engrossassem repentinamente os seus caudais umas vezes tornando-se ruidosos e agressivos arrastando consigo tudo o que se lhes opusesse: fosse porque outras vezes deslizassem pachorrentos transformados em imensos espelhos de água reflectindo o Sol e a Lua divindades por todos adoradas e temidas emprestando-lhes também a eles rios vida e misticismo próprios.

Quando os materiais utilizados no fabrico de armas se tornaram mais resistentes maneáveis e eficazes aqueles homens movidos pelo espírito de descoberta não levaram muito tempo a descer dos seus abrigos das alturas os “crastos” acabando por se fixar perto das margens num dia-a-dia bem mais generoso: havia caça materiais para a construção de abrigos conheceram os frutos descobriram a agricultura aprenderam a pesca construíram jangadas e depois barcos. Não mais pararam de subir e descer os vários cursos de água descobrindo trocando e misturando-se.

Não foi diferente com o rio Tâmega. Também ele foi idolatrado como um deus em determinadas épocas da sua existência. É sobre ele que quero escrever… para memória futura… agora que o vão amordaçar com a construção de quatro barragens.

Nasce na Serra de S. Mamede em Espanha correndo desde aí até ao Douro onde desagua em Entre-os-Rios numa extensão de cerca de cento e cinquenta quilómetros cento e trinta dos quais em território luso.

Não é um rio qualquer o Tâmega. De águas bravas rebelde e caprichoso corre por entre gargantas apertadas e encostas abruptas inacessível em muitos pontos do seu percurso. Mas quando se espraia como que a recuperar o fôlego faz a delícia de naturalistas pescadores amantes de desportos aquáticos campistas namorados e outros românticos pensadores.

Quem por aí se deixou envolver por ele não mais o esqueceu não mais o esquecerá.

Os reencontros sempre estarão carregados de emoções e recordações: o primeiro beijo os banhos retemperantes os momentos de meditação os silêncios os pássaros aquele barbo enorme os mabecos os javalis as rãs as noites mágicas da enguia a lua e as fogueiras que crepitavam até ao amanhecer.

Um dia tudo isto não será mais.

Restará apenas a memória de um passado submerso mas vivo. É a força dos Atlantes…

Jacinto Magalhães, in Amarante Jornal - 02 de Junho de 2009

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