quinta-feira, 2 de abril de 2009

BARRAGENS NO TÂMEGA - COM ESCLARECIMENTO E PREOCUPAÇÃO

BARRAGENS NO TÂMEGA:

COM ESCLARECIMENTO E PREOCUPAÇÃO

Tendo por cenário a desditosa construção em betão de uma central hidroeléctrica a implantar em pleno leito fluvial Tâmega, interceptando e retendo as águas do rio entre as freguesias de Fridão (Amarante) e Codessoso (Celorico de Basto), na última sexta-feira de Março (27) de 2009, a Junta de Freguesia de Mondim de Basto promoveu a realização de uma sessão de esclarecimento na Casa da Cultura do concelho sobre o processo de participação dos cidadãos em Estudos de Impacte Ambiental (EIA). 

Com esta acção em divulgação pública estava criada nova oportunidade para efectuar mais uma deslocação à vila de Mondim de Basto a pretexto do assunto em apreço.

DEBATES NO E PELO TÂMEGA COM ANO E MEIO DE ATRASO
Por motivos próximos, no decurso do mês de Fevereiro, tomara a iniciativa de estar presente na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (03/02) na apresentação da IBERDROLA, S.A. às academias portuenses do projecto de construção de 4 barragens, perfeito esbulho ambiental recém-concessionado pela Autoridade Nacional da Água/Ministério do Ambiente, designado pela eléctrica espanhola de «Complexo Hidroeléctrico do Alto Tâmega».

Em síntese, e pelo que mais me suscitou interesse no registo da sessão, anotei o pouco à-vontade do Presidente do Conselho de Administração da Iberdrola-Portugal, Joaquim Pina Moura (ex-Ministro das Finanças e da Economia) para falar em energias e do projecto em evidência. “Quem percebe disto é o meu colega Baldomero Navalon”, referiu por duas vezes durante a intervenção. Enquanto pela parte do Director de Negócio Hídrico da Iberdrola Generación, Baldomero Navalon, foi transmitido ao auditório que “a empresa decidiu não efectuar o transvase do rio Olo – embora concessionado no projecto – porque seria um grave crime ambiental”.

Quando coloquei a questão da observância pela empresa dos resultados do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), a resposta não se fez rogada: “Já sabemos que um projecto destes terá sempre impactes, mas depois novos equilíbrios se estabelecem naturalmente”. 


Com a experiência centenária da empresa na construção e exploração de grandes barragens, o administrador de negócio da IBERDROLA mostrou saber do que fala e, melhor do que ninguém, permitiu-me inferir que os EIA são uma mera formalidade legal a cumprir para mitigar alguns estragos e legitimar a construção de grandes obras com fortes impactos locais e regionais.

Dez dias depois, em Cabeceiras de Basto (13/02), tomei parte no debate organizado pela Câmara Municipal. Anunciada a 25.ª conferência do Ciclo "Políticas de Futuro" sob o título «A Barragem de Fridão e o Desenvolvimento de Terras de Basto», contando com a prestação de destacados administradores da empresa EDP, S.A., tinha em vista tomar contacto com os argumentos que a autarquia cabeceirense pudesse aduzir sobre a matéria. Em primeiro lugar, dado que a sessão ocorreria após remessa de informação aos Municípios afectados pelo escalão de Fridão da tese e acções do «Movimento Cidadania para o Desenvolvimento no Tâmega», prestadas com o envio do Manifesto Anti-barragem «Salvar o Tâmega e a Vida no Olo»; como também visava tomar conhecimento dos argumentos que a EDP-Produção pudesse trazer a debate público.

A realização do evento de Cabeceiras de Basto proporcionou uma amostragem para a Câmara Municipal perceber o sentimento da população sobre uma matéria de escassa referenciação e divulgação


Com a sala do auditório municipal repleta, os dignitários autárquicos não conseguiram evitar, todavia, algumas falhas de representação pública. Nomeadamente na omissão quanto ao posicionamento do Município (Câmara e Assembleia Municipal) sobre a matéria, na aspereza colocada em alguma comunicação, na truculência de linguagem vertida nos despropositados comentários finais, e na incomodidade evidenciada quanto à deliberação da Assembleia de Freguesia do Arco de Baúlhe, de Dezembro de 2008.

O administrador da EDP-Produção, António Pacheco Casto (Dr.), por seu turno, trouxe a informação de que no passado “a barragem já esteve para ser construída” no escalão de Fridão, que “aqui aponta para 102 metros de altura”. Mas a novidade foi a da “construção de uma segunda central no rio Tâmega a 500 metros da foz com o rio Olo” para montante, com o propósito de “regularizar os caudais para não causar dano à cidade de Amarante”.

No decurso da sessão destaquei a tendência parcelar do evento, por relação à amplitude das problemáticas regionais em questão, e apresentei sumariamente as razões de oposição à artificialização, contra-natura, do «sistema Tâmega», concluindo com o enunciado de que 'num Estado de Direito europeu devemos pugnar pelo cumprimento da lei do Estado e da Comunidade, e na sua observância a bacia do Tâmega será livre do aviltamento programado com a construção de mais cinco (5!) novas barragens'. Irrefutável o silogismo, como as premissas que a ele conduziram.

A convite da COAGRET-Portugal, no dia seguinte (14/02) participei em Mirandela, cidade à beira-Tua, no seminário técnico-jurídico «A falta de regulação jurídica do bem público face a interesses privados: o caso dos novos projectos hidroeléctricos em Portugal». Aí procurei sensibilizar os presentes para a dimensão nacional patranha residente nessa estirpe de pseudo planeamento com que o falacioso Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) foi técnico-politicamente arquitectado e colocado em execução. 

Afinal, essa peça sem valor jurídico, que afronta a Lei e avilta os desígnios do Ambiente e da Água enquanto recurso natural, não passa da reedição do programa hidroeléctrico concebido nos anos de chumbo do Estado Novo, durante a década de 1950.

EVITANDO SUBMERGIR EM TROMBA-DE-ÁGUA CHURRA
Acompanho o processo gestionário-burocrático da política autárquica de Amarante com uma atenção muito particular há cerca de 25 anos, e conheço bem o turbilhão de malvadez que tem alimentado generais, cabos-de-esquadra, hordas, milícias e paisanos. 

A conjuntura não poderia deixar de se afirmar atribulada e tensa, e no quotidiano Amarante não consegue evitar sintomas inequívocos de morbidez e declínio em que radica o estado de situação – de atraso estrutural, desemprego e pobreza – reconhecido na região Tâmega (NUT III).

Em aproximação às preocupações manifestadas pelos cidadãos e por movimentos cívicos, o presidente da Câmara Municipal de Amarante levou a efeito no passado mês de Março (20) de 2009 uma conferência/debate anunciada com o tema “Riscos induzidos pela Barragem de Fridão”. 


Pela área técnica específica de recrutamento do painel de convidados para a conferência, era perceptível que a sessão não poderia atingir o propósito do título com que havia sido designada. 

Entrando a jogo com jokers de outro baralho, tornava-se claro que a matéria em debate, pelo lado dos palestrantes e do presidente da Câmara, não poderia versar os ‘riscos induzidos pela Barragem de Fridão’. Estariam cumpridos, no entanto, os propósitos desta iniciativa autárquica configurada na esteira de combate aos fundamentos dos que manifestam genuína preocupação pelo presente e futuro de Amarante e do Tâmega – flúvio e região.

Reconhecendo a trama com que se tem escrito nos órgãos do Município de Amarante a história do dossier «Barragem de Fridão/cascata do Tâmega» e a teia em que os amarantinos andam enredados, de minha iniciativa recuso-me a participar no logro, e não subo ao tabuleiro da farsa senão por dever público

Não obstante, e independentemente da forma civilizada que por cada um possa ser adoptada para fazer valer a defesa das condições pré-existentes à fixação do povoamento, só tenho a felicitar quem naquela sexta-feira de Março (20), no Salão Nobre dos Paços do Concelho, tentou esconjurar o propósito diabólico da construção das barragens no Tâmega. E enquanto um amigo designou o evento de «a canção do bandido», um outro, compreendendo a minha ausência à sessão me referiu que «se tivesse ido, teria vindo de lá doente».

Em consciência, não me proponho livremente ir a castigo que creio não merecer ou sujeitar-me participar em acções que nos seus propósitos não passam de meras tentativas matreiras de nos fazer submergir numa tromba-de-água churra.

DAR EXPRESSÃO À NECESSIDADE DE ESCLARECIMENTO
Depois tomar parte nas primeiras quatro acções públicas de informação realizadas em Mondim de Basto (três na vila e uma na Casa do Povo de Ermelo) a propósito dos efeitos previsíveis que resultarão da aberrante construção de duas grandes centrais hidroeléctricas no escalão de Fridão, menos de um ano volvido, encontrei a população mondinense muito melhor esclarecida e mais consciente das consequências nefastas que arrastará para a região a patranha contida nesse falacioso Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH).

Os primeiros sintomas de receio e dúvida auscultados na população local, inferidos do suposto erro pela recusa de grandes obras de construção civil na região e das expectativas iniciais geradas pelas alterações massivas a introduzir na paisagem do vale, e os enunciados radicados no paradigma economicista-tecnológico de meados do século passado, decalcados do vetusto argumentário adoptado nas eléctricas e encadeado no discurso oficial profusamente reproduzidos na imprensa, não marcaram presença nesta última palestra nem no debate que se lhe seguiu.

Contrariamente ao que havia encontrado com a primeira sessão pública promovida em Mondim de Basto a 30 de Maio de 2008, esse tipo de argumentos que começaram por se apresentar facilmente entendíveis e comummente aceites, entretanto, estão esvaziados de senso e oportunidade, de sentido e consistência lógica na sua aparente sustentabilidade, quando equacionadas as perdas inquantificáveis e irreversíveis que as cinco barragens no Tâmega imporão.


Entre os presentes atentos à exposição efectuada pelo Professor Doutor Rui Cortes e às intervenções que se lhe seguiram, ficou patente uma seriíssima preocupação generalizada manifesta na recusa à perda do rio, à degradação da qualidade das águas, ao afogamento da paisagem do vale, à implosão dos ecossistemas ribeirinhos, à desregulação hidrodinâmica dos cursos na bacia do Tâmega. Consequências inevitáveis confirmadas pelo catedrático da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), repercutíveis em toda a extensão da bacia hidrográfica afectada, resultantes da edificação da designada «Barragem de Fridão» e das quatro restantes a montante.

Em Mondim de Basto nem mesmo parece haver mais contexto para vingar o sedutor paliativo das ‘contrapartidas’, com que no passado se esbateram resistências incautas e se adormeceram populações e seus representantes. 


Na contratualização mercenária, multimilionária, com as eléctricas EDP, S.A. e IBERDROLA, S.A. – com que o ocupado Ministério do Ambiente e a sua inútil “Autoridade Nacional da Água” concessionaram os rios e a água e aviltaram os valores-causa da sua existência, a Lei do Estado e da Comunidade – não há lugar a quaisquer benefícios patrimoniais para as autarquias e respectivas populações.

Um ano e meio após despoletado este miserável processo, técnica e politicamente astucioso e vil, a evidenciar os métodos-proxeneta de que o Estado é capaz, para que o XVII Governo Constitucional arrastou o Tâmega – também o Tua e o Sabor! – convocando por simpatia as respectivas populações, está em curso na região o debate público nascido na população da necessidade de esclarecimento, iniciado em 1994/1995 e para o qual renovei o apelo em Outubro (31) de 2007.

José Emanuel Queirós, in PlenaCidadania - 02 de Abril de 2009

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